Abro os olhos. O quarto está totalmente envolto na escuridão,
e não há um único feixe de claridade a passar por entre as persianas. Conduzo a
minha visão para o despertador em cima da mesa de cabeceira. 3:50 da manhã.
Fecho os olhos novamente. Dirijo a minha mente para os cenários mais
utopicamente exequíveis, na esperança de adormecer rapidamente. No entanto,
apenas um pensamento paira na minha mente.
Sinto o clima gélido das noites de fevereiro na minha pele
cálida. Olho para a janela à minha frente e permanece de noite. Está um
silêncio sepulcral e desconfio que a esta hora, não é suposto estar aqui
ninguém. O meu batimento cardíaco está forte, desenfreado. De imediato
conjecturei que todo este cenário fosse um possível pesadelo, ou que este
batimento cardíaco não passasse apenas de uma impressão ilusória deste sonho. Porque
apesar de tudo, estou em paz, extremamente tranquila, não pode ser um pesadelo.
Então, o que é?
De repente, oiço uma respiração que não a minha. Primeiro distante,
mas gradualmente torna-se cada vez mais próxima, mais intensa. Com o aproximar
daquela doce respiração, juntou-se um batimento cardíaco, semelhante ao meu,
acelerado, pulsante, contrariamente à respiração, serena e pouco audível. Sinto
um arrepio percorrer cada recanto do meu corpo. Uma sensação de bem-estar
penetra-me a pele e invade-me, desde o âmago da minha alma, ao ímpeto do meu
ser. Tento perseguir a melodia que ecoava na minha cabeça e que me deixava tão
estranhamente confortável. Estava claramente atrás de mim. Mas quem seria? E porque
é que estaria ali também? O que seria tudo isto afinal? Precisava apenas de 2
segundos de coragem insana e o mistério estaria solucionado.
Fecho os olhos e viro-me. De imediato sinto algo a agarrar-me
com força, a prender-me, a puxar-me contra si. Quem seria? Porque é que me
estaria a fazer isto? Queria abrir os olhos, mas havia algo que não mo permitia
fazê-lo. Porque é que eu sentia que aquele momento não era algo forçado, mas
sim algo que eu no fundo também queria? Mantenho os olhos fechados e
concentro-me, apurando cada um dos meus sentidos. Oiço a respiração que ecoava
naquele espaço. Sinto o calor que emanava daquele corpo incógnito, mas que, no
entanto, me parecia tão familiar. Sinto o doce perfume que pairava no ar. Agora
tudo fazia sentido.
Abro os olhos, desta vez com segurança e extrema facilidade. Lá
estavas tu, com o teu brilho característico no olhar que eu detetava sempre que
olhavas para mim, desde o dia em que o destino decidiu que os nossos caminhos
se deviam cruzar. Não conseguiste não esboçar um sorriso e abraçaste-me com
força. Senti cada centímetro teu colado a mim, e senti-me em casa. Soltaste-me
um pouco e olhaste-me nos olhos. Fixaste-os de tal forma que te senti, mais uma
vez, a tentar decifrar-me a alma, a tentar desvendar todos os meus mistérios. Adorava
saber o que te cruzava a mente de cada vez que olhavas para mim assim. Desvendo-te,
também eu, a tua alma com o olhar, e vi a minha imagem, algo distorcida, mas
nítida o suficiente para eu entender que parte de mim já morava em ti. Beijei-te
lentamente. Também tu já possuías um lugar em mim, mesmo sem eu o saber. Beijei-te
novamente, desta vez de forma fogaz, e logo senti cada recanto teu, do corpo à
alma. Desnudaste-me um pouco a alma com a facilidade como desde cedo tiveste,
nessa tua batalha incessante de saber o que há por detrás de todas as minhas
máscaras. Senti as tuas mãos gélidas no meu semblante. Olhaste-me nos olhos.
"´és tão diferente". Os vocábulos que a tua voz rouca e serena
proferiu, deixaram-me petrificada.
Os teus olhos tentavam desenfreadamente entender que impacto
tais palavras teriam tido em mim. Recosto a minha cabeça no teu peito,
envolves-me nos teus braços e não consigo evitar esboçar um sorriso. Inspiro profundamente
e sinto o teu perfume em tudo o que me rodeia, tornando esse doce aroma em
oxigénio para os meus pulmões. Escuto a tua respiração no meu ouvido e sinto o
teu batimento cardíaco no meu rosto. Sou abalada por uma panóplia de sensações
e emoções, sinto-me levitar. Estou tão bem, finalmente. E saber que também
estás bem, eleva-me ainda mais. Ambos sabemos que não é pressuposto
sentirmo-nos assim, foi o combinado, mas não consigo fugir muito mais de algo
tão surpreendentemente forte. Por momentos questiono se de facto quero manter
esse combinado. Sinto o meu corpo a congelar. Esqueço o assunto. Beijo-te
em tom de despedida. Quero tanto ficar, mas tenho de ir. Viro costas e
agarras-me no braço. Puxas-me para ti e roubas-me um último beijo. Ambos seguimos
cada um o seu caminho. Não querendo ser cliché, tento não olhar para trás, mas
acabo por fazê-lo. Foste cliché. Fixavas-me, parado e voltado para mim. Sorrimos
e virámos costas. Já sem os teus olhos cravados em mim, dei por mim a sorrir
discretamente. Sinto-me idiota porque não haverá mais nada para além disto, nem
pode haver. Foi o acordado entre nós. Mas e se...? Não, não pode ser. Cerro os
olhos, inspiro profundamente, e sinto o teu perfume em mim. Em tudo o que me
circunda. Quase que sinto de novo o teu toque, tão preciso, tão seguro, em cada
milímetro meu. Oiço a tua voz, ora suave, ora intensa. Sinto o teu abraço, o
calor que emana da tua pele. Sinto o teu beijo. Sinto-me novamente a levitar.
Nunca eu pensei que aquele fosse o nosso beijo
de despedida.
Subitamente, o meu batimento cardíaco alterou-se. Permanece veloz,
no entanto, a sensação de levitação deu lugar a um mau presságio que acabara de
se acomodar confortavelmente em mim. Sinto um nó na garganta e tenho o estômago
às voltas. Encontramo-nos de novo frente a frente. A distância emocional entre
nós permanece intacta, consigo contemplá-lo perfeitamente no teus olhos, que
tentam, como sempre, desnudar-me a alma. No entanto, a distância física
aumentara drasticamente. Já não sentia o calor da tua pele em mim. A tua
respiração e o teu batimento cardíaco estavam agora mais distantes e quase
inaudíveis. O teu toque e o teu beijo estavam à distância de 2 segundos de
audácia insana da minha parte. Eu sabia que se agisse, tu agirias comigo. Mas não
tive coragem, e embora a minha alma estivesse a ser desnudada pelo teu olhar a
cada minuto que passava, ambos permanecíamos imóveis, petrificados. Ainda que
eu te sentisse como uma doce lavareda a incendiar cada poro da minha pele,
consumando assim uma paixão ardente como a que nos unia, na realidade,
tentávamos descabidamente manifestar um clima gélido irreal nas palavras que
ambos proferíamos. O combinado. Nenhum de nós soube cumprir com isso.
"Eu gosto de ti, mas não posso correr o
risco de magoar alguém como tu. Nós temos tudo para resultar, e isto custa-me
imenso, mas eu não consigo. Ambos sabíamos
que não estava pronto para isto.". Das palavras mais dolorosas que já ouvi. Um sentimento altamente
agridoce invade-me. Sei que tens sentimentos por mim. Sei que finalmente alguém
me valorizou e me teve em consideração. Mas, em contraste, sei tudo aquilo que
estou a perder. Tudo o que aquelas palavras me extorquiram e levaram para longe
como se fossem suas, como se não houvesse nenhuma chance de virem a ser minhas.
Pior que isso foi ver nos teus olhos que o teu desejo de arriscar era tal como
o meu, inseguro, latente, mas real, genuíno, pulsante, irracional, visceral. No
entanto, estavas convicto de que o melhor seria disfarçar esse desejo com
concepções unicamente racionais, juntamente com alusões ao passado de ambos. Senti
os olhos a inundarem-se de lágrimas, tornando a minha visão turva. A sensação
de impotência. A consciência de que afinal havia um certo sentimento que até aí
insistia em ocultar de mim mesma, por muito diminuto que ainda seja. Fecho os
olhos. Sinto as lágrimas quentes e salgadas a fluírem pelo meu semblante.
Abro os olhos. A minha almofada vazia perdeu o teu perfume, e
nele já só mora a fragrância da tua ausência, atolada de memórias e antigos
sorrisos e histórias para contar. Choro por uma situação que nem eu mesma
compreendo corretamente. Sinto tudo tão intensamente, e, no entanto, não possuo
sentimentos por ti que o justifiquem. Pensar que te perdi causa-me uma dor
pungente. Perdi-te, mas será que te cheguei a ter? Ambos sabemos que fomos
díspares de todos os anteriores, que fomos únicos até então. As nossas almas
conectaram-se como nunca nenhuma delas se havia conectado antes. Foi pura
poesia escrita nas curvas dos nossos corpos e nas linhas dos nossos destinos. Mas
será uma conexão capaz de despertar em mim tantas emoções, tão intensas?
Talvez seja por saber o que estamos a deixar para trás. O nosso
passado é determinante, digo-o tão ciente e receosa como tu. No entanto, sinto
que desta vez poderia ser diferente. Não me importa quem foste, o que já
fizeste e com quem estiveste, apenas me importa quem és e quem estás disposto a
ser. Quero unicamente que sejas alguém que vale a pena, alguém que faça a
diferença. E acho que foi precisamente isso que me amedrontou. Teres-te
revelado como tal. E por me teres mostrado, dia após dia, que eras diferente. Só
espero que não sejas mais uma pessoa com quem o meu caminho se intersecta, mas
que no final, não deixa saudade. E é por eu saber justamente que não o és, que
estou no limbo.
A tua mente pode conduzir-te para todos os panoramas exequíveis
em que eu não me encontre. Podes tentar esquecer-te da minha existência, da
alma que te reconheceu, sendo reconhecida. Podes tentar procurar o meu sorriso,
o meu olhar, o meu toque, o meu beijo, o meu abraço, a minha voz, em
inumeráveis vultos incógnitos pelas ruas da cidade. Podes até encontrar certos
rostos que encaixem no teu, certos corpos que coincidam com o teu. No entanto,
apenas existe um encaixe perfeito, e até prova discordante, eu acredito que sou
eu. Admito que, no ímpeto da minha alma, ainda detenho um resquício de
esperança de que voltes atrás. De que te apercebas que estás a perder uma
mulher que não encontrarás igual. Eu não sei o que é isto, mas algo em mim
diz-me que ainda não acabou. Ganha consciência e luta contra os temores, agarra-te
a isto, mesmo que não saibamos o que é, e dá um disparo no escuro. Faz o que
desejares, mas não me deixes partir. Não assim. Não me deixes partir sem saber
o que somos. Ou o que fomos, o que podemos vir a ser. Ou aquilo que sempre
fomos e nunca nos apercebemos. Conexões como a nossa não se encontram
facilmente. Não a ignores. "procura-me como se nunca me tivesses tido. Agarra-me
como se eu fosse desaparecer. Faz de conta que o para sempre só existe
comigo".
Que seja um até já.